sexta-feira, 24 de outubro de 2008

António Lobo Antunes
Gonçalo M. Tavares




Agora, sinto que chegámos a uma clareira e que é preciso um novo leitor. Aqui não se pode sair da frase que se está a ler. E isso é absolutamente novo.



O ponto é esse. As palavras são aquelas e não podem ser outras.



Muitas pessoas podem sentir dificuldade em ler porque há uma necessidade de referência.



Tambem dizem que os livros são tristes, mas o que é importante é o prazer da leitura. Não há nada melhor do que ler um livro. As obras de arte são como os tigres. Não se devoram entre elas. Encontrar alguém com talento é uma felicidade, encontrar um livro bom é uma festa, uma alegria.



A mim irrita-me o desperdicio de tempo.Às vezes, apetece-me bater em algumas pessoas que tiveram a possibilidade de ler e não leram.



O tempo está ligado ao dinheiro. Quando me deram o Prémio(...), perguntaram-me o que ia fazer com o dinheiro. Eu respondi que ia comprar tempo.



Devia ter dito que ia comprar um bolo económico e uma carcaça. Ninguém pergunta a um banqueiro o que é que ele vai fazer ao dinheiro, mas perguntam-no a um escritor como se nós fôssemos mendigos. Parece uma tia minha que, quando dava uma esmola, dizia: «Agora não gaste tudo em vinho».



Há uma desvalorização da palavra. E sobretudo da palavra oral.



É engraçado isso de escrever num instante. Vamos imaginar que se escreve um texto em 20 minutos. A questão é que não são apenas aqueles 20 minutos, a questão é: quem é que paga os 40 anos que a pessoa esteve a ler?



O que me parece é que é fácil fazer coisas aos 38 anos. O dificil é continuar, continuar, continuar... Porque está tudo lá fora. Há raparigas bonitas a passar e nós sentamo-nos a escrever.



Às vezes sento-me contrariado, não me apetece.



A parte mais dificil é mesmo sentarmo-nos.



E resistir às tentações.



Revista Visão, 23 de Outubro de 2008


sábado, 18 de outubro de 2008

envidio

O que será o silêncio? Como pode o poema
partir do que ignoramos e a que damos um nome
sem saber a sua natureza e qual a sua plenitude?
Não será ele apenas um pressentimento um frémito
sem existência própria um irredutível quase
que nunca chegasse à revelação de um termo ou ao cimo de si mesmo?
Nós sentimo-lo como se a luz vagarosamente repousasse
numa onda de suavidade e o barco do efémero
revelasse a plenitude do eterno a essência viva
do nosso ser sob o voluptuoso véu de um sono imaculado
Sentimos a nudez da brancura e nela o princípio o centro e o alvo
do nosso desejo de coincidir com a indizível formosura
que numa onda silenciosa ascende e sem se revelar culmina
numa corola transparente ou num jardim de nuvens
de que só apercebemos o aroma branco e subtil
que não embriaga mas nos inebria como se vogássemos numa lua
que fosse unicamente aérea e de pura identidade
Será que o poema poderá suster a sua verde adolescência
e receber este sopro diáfano para que ele próprio seja um astro de silêncio?

antónio ramos rosa