quarta-feira, 23 de junho de 2010

"AMIGOS NÃO SE DESPEDEM, MARCAM UM NOVO ENCONTRO"

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para a frente do que já vivi até agora.
Tenho muito mais passado do que futuro.
Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas.
As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam
poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos
inflamados.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para
discutir
assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da
minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas,
que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafectos que brigaram pelo
majestoso cargo de secretário-geral do coral.
'As pessoas não debatem conteúdos, apenas os
rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a
essência,
minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana,
muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se
encanta com
triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge
de sua mortalidade,
Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade,
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!

Mário de Andrade

terça-feira, 22 de junho de 2010

não é fácil...

Não é fácil o amor melhor seria
Arrancar um braço fazê-lo voar
Dar a volta ao mundo abraçar
Todo o mundo fazer da alegria

O pão nosso de cada dia não copiar
Os gestos do amor matar a melancolia
Que há no amor querer a vontade fria
Ser cego surdo mudo não sujeitar

O amor o destino de cada um não ter
Destino nenhum ser a própria imagem
Do amor pôr o coração ao largo não sofrer

Os males do amor não vacilar ter a coragem
De enfrentar a razão de ser da própria dor
Porque o amor é triste não é fácil o amor

Letra de Luís Andrade


segunda-feira, 21 de junho de 2010

sexta-feira, 18 de junho de 2010

quarta-feira, 16 de junho de 2010

ternurento.....

ACABARAM-SE OS SALDOS?!?


(...) Em apenas uma semana, a Foxconn, a maior companhia do mundo de produção de artigos electrónicos, foi obrigada a anunciar, por duas vezes, o aumento do salário minimo, depois de outros dos seus clientes - entre os quais se contam a Sony, a Nintendo, a Nokia, a Dell e a Motorola - terem iniciado investigações sobre as condições de laboração, na fábrica, onde trabalham 400 mil pessoas.

(...)

Em grande parte, graças à pressão mediática, no Ocidente, o salário dos trabalhadores chineses será praticamente duplicado.

A China parece estar a atravessar um momento de transição. Os trabalhadores, com o apoio do Governo e dos municipios, estão a reivindicar - e a conseguir - melhores condições e salários mais elevados. A Honda, por exemplo, teve de dar aumentos até 34% para ver as suas fábricas chinesas voltarem ao trabalho.

Pequim teme que a crescente desigualdade social leve a protestos maciços. O New Yourk Times alerta para o perigo de uma subida do custo de mão-de-obra chinesa acarretar uma alta mundial de preços. «Foi optimo para os orçamentos, enquanto durou. Centenas de milhões estavam dispostos a trabalhar por um dolar ou dois por dia», diz o insuspeito Bloomberg. «Mas o momento que os executivos das multinacionais temiam, de Nova York a Tóquio, chegou: os chineses estão a pedir aumento.» Acabou o tempo da tecnologia barata?


João Dias Miguel, in Revista Visão de 10 de Junho de 2010


terça-feira, 15 de junho de 2010

flores do mal

Teremos cometido algum pecado extremo?
Explica, se puderes, o medo que me acua
Eu tremo de alto a baixo se me dizes: Meu anjo!
E sinto minha boca ir em busca da tua.

Não me olhes mais assim, ó tu, meu pensamento!
Tu que eu adoro e que és enfim minha eleição
Mesmo que fosses um fantoche fraudulento
E a própria origem dessa estranha perdição!

(Mesmo que fosses um fantoche fraudulento
E a própria origem dessa estranha perdição!)

E quem diante do amor ousa falar do inferno?
Maldito para sempre o sonhador inútil
Que por primeiro quis, na sua estupidez
Enfrentando um problema insolúvel e fútil
Às delicias do amor juntar a honestidade!
O que deseja unir, num acordo místico
O dia com a noite, o frio com a flama
Jamais aquecerá seu trôpego esqueleto
Àquele rubro sol que amor também se chama!

Aqui somente a um mestre é licito servir-se!
Mas a miúda, no meio a uma enorme aflição
De súbito gritou: - "Sinto em meu ser abrir-se
Um abismo, e este abismo é enfim meu coração!
Ardente qual vulcão, mais fundo que a tormenta,
Nada este monstro aplacará dentro de mim
E nunca há de saciar Eumênide sedenta
Que o queimará, archote em punho, até o fim.
Que os véus de nossa alcova ocultem-nos do mundo,
E que o cansaço dê repouso a tais agruras!
Quero extinguir-me no teu vórtice profundo
E no teu seio achar a paz das sepulturas!

Descei, descei, ó tristes vítimas sublimes,
Descei por onde o fogo arde em clarões eternos!
Mergulhai neste abismo em que todos os crimes,
Tangidos por um vento oriundo dos infernos,
Jamais um raio há de clarear vossas cavernas;
Pelas fendas da pedra os miasmas delirantes
Infiltram-se a brilhar, assim como lanternas,
E os corpos vos penetram de odores nauseantes.
Cumpri vosso destino, almas desordenadas,
E fugi o infinito que trazei em vós!

Hipólita, minha querida, que me dizes então?
Compreendes quão pueril é oferecer agora
Em holocausto as tuas rosas em botão
A um sopro que as pudesse espedaçar lá fora?
Hipólita, minha irmã! Volve pois tua face,
Tu, coração, que és o meu todo e és a metade,
Volve teus olhos cheios de astros como os céus!
Dá-me esse olhar que é como um bálsamo bem-vindo;
Do prazer mais sombrio eu erguerei os véus
E hei de fazer-te adormecer num sonho infindo!

Baudelaire

domingo, 13 de junho de 2010

duda

"Aprendí a vivir,
Con la duda de decir una cosa,
Luego cambiar de parecer,
Y moverme otra vez de lugar.

Aprendí a querer,
Esa duda en mis huesos está,
Desde hace tanto tiempo,
Es parte de estar vivo y latiendo.

Corazón,
Dime como estás,
Sólo escuchándolo,
Sabré la verdad.

Puedo parecer caprichosa,
Pero soy mucho más sensata,
De lo que vas a pensar,
Al verme siguiendo una sombra,
Te diré quien soy cuando sepa,
Pero cada vez,
Sé un poco menos,
Puedo cambiar a cada momento,
Es parte de mí.

Corazón,
Dime como estás,
Sólo escuchándolo,
Sabré la verdad.

Sé que tú podrás decir quién soy,
Con sólo mirarme a los ojos,
Corazón,
Dime como estás,
Sólo escuchándolo,
Sabré la verdad,
Corazón,
Dime como estás,
Sólo escuchándolo,
Sabré la verdad.

Para que acepar una mentira,
Sólo es maquillar la vida,
Algo adentro de mí siempre hablará,
Y voy a escuchar,


sábado, 12 de junho de 2010

cidadãos europeus, UNI-VOS!

"Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos. Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista.

Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.

Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acumulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos laborais (facilitar despedimentos, reduzir indemnizações).

A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul. A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social.

O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 mil milhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 mil milhões para salvar o sistema financeiro europeu? A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.

O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois factos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia.
A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.

Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.

Boaventura de Sousa Santos in Revista Visão, de 3 de Junho de 2010

quinta-feira, 10 de junho de 2010

as estrelas pestanejam frio

Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossivel de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossiveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossivel de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!

Alvaro de Campos in Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa de Eugénio de Andrade

I don't remember

"Hey mann what you doing here
I don't remember letting you in

Hey mann how d'you get in here
You're in my heart without consent

I always took pride in my selfcontrol
To my heart only I had the key

But something's gone wrong with my radar screen
You slipped by and you captured me

Hey mann what you doing here
I don't remember letting you in

Hey mann how d'you get in here
You're in my heart without consent

I've done all I could to keep my head clear
Logic tells me that this should never be

But there's no mistaking the shape I'm in
Love has filled my every waking day

Hey mann what you doing here
I don't remember letting you in

Hey mann how d'you get in here
You're in my heart without consent

Now hear, here's the strangest thing
The day has come I thought I'd never see

I walk smiling in a lightglow and I'm calling out your name
I've lost the battle and I'm quiet well pleased

Hey mann what you doing here
I don't remember letting you in

Hey mann how d'you get in here
You're in my heart

Hey mann what you doing here
I don't remember letting you in

Hey mann how d'you get in here
You're in my heart


quarta-feira, 9 de junho de 2010

lá temos tempo

"Não sei minha idade.
Nasci no deserto do Saara, sem documentos
Nasci em um acampamento dos nomadas tuaregs entre Timbuctu e Gao, ao norte de Mali.
Fui pastor de camelos, cabras, cordeiros e vacas de meu pai.
Hoje estudo gestão na Universidade de Montpellier.
Estou solteiro.
Defendo os pastores tuaregs.
Sou muçulmano, sem fanatismo.
- Que turbante tão formoso!
- É uma fina tela de algodão: permite tapar o rosto no
deserto, e continuar a ver e respirar através dele.
- É de um azul belíssimo…
- Nós, os tuaregs, somos chamados de homens azuis por isso:
O tecido solta alguma tinta e nossa pele adquire tons azulados
- Como conseguem esse tom de azul anil?
- Com uma planta chamada índigo, mesclada com outros pigmentos naturais. Para os tuaregs o azul é a côr do mundo.
- Por quê?
- É a côr dominante: é a côr do céu, do tecto de nossa casa.
- Quem são os tuaregs?
- Tuareg significa “abandonados”, porque somos um velho povo nomada do deserto, solitários e orgulhosos: “Senhores do Deserto, é como nos chamam. Nossa etnia é a amasigh (bereber), e o nosso alfabeto, o tifinagh.
- Quantos são?
- Uns três milhões, e a maioria permanece nomada. Mas a população diminue. “É preciso que um povo desapareça, para que saibamos que ele existiu!” Apregoava um sábio. Eu luto para preservar esse povo.
- A que se dedicam?
- Pastoremos rebanhos de camelos, cabras, cordeiros, vacas e asnos num reino de imensidão e de silêncio
- O deserto é realmente tão silencioso?
- Quando se está sozinho naquele silêncio, ouve-se o batimento do próprio coração. Não há lugar melhor para se estar sozinho.
Quais recordações de sua infância que conserva com maior nitidez?
- Desperto com a luz do sol e ali estão as cabras de meu pai. Elas nos dão leite e carne, nós as levamos onde há água e pasto… Assim fizeram meu bisavô, meu avô e meu pai… e eu. Não havia outra coisa no mundo além disso. E eu era muito feliz com isso.
- De facto! Não parece muito estimulante…
- Mas é muito! Aos sete anos já o deixam afastar-se do acampamento para que aprendas coisas importantes: farejar o ar, escutar, apurar a vista, orientar-se pelo sol e as estrelas… E a deixar-se levar pelo camelo, se se perder. Ele te levará onde há água.
Saber isso é valioso, sem dúvida…
Ali tudo é simples e profundo.
Existem muito poucas coisas. E cada uma tem um enorme valor!
Então esse mundo e aquele são muito diferentes, não?
- Ali cada pequena coisa te proporciona felicidade.
Cada toque é valorizado. Sentimos uma enorme alegria pelo simples facto de nos tocarmos e estarmos juntos. Ali ninguém sonha com chegar a ser, porque cada um já o é!
- O que mais o chocou em sua primeira viagem à Europa?
- Ver as pessoas correndo pelo aeroporto. No deserto só se corre quando vem uma tempestade de areia. Me assustei. É claro!
- Eles apenas iam buscar suas malas…
- Sim! Era isso. Também vi cartazes de mulheres nuas. Me perguntei: porque essa falta de respeito para com a mulher?
Depois, no Íbis Hotel, vi a primeira torneira da minha vida, vi a água correndo e senti vontade de chorar…
- Que abundância! Que desperdício! Não?
- Todos os dias da minha vida consistiam-se em procurar água. Quando vejo as fontes ornamentais aquí e acolá, continuo sentindo por dentro uma dor tão intensa…
- Tanto assim?
- Sim! No começo dos anos 90 houve uma grande seca. Morreram os animais e nós adoecemos. Eu tinha uns 12 anos e minha mãe morreu. Ela era tudo para mim!
Me contava histórias e ensinou-me a contá-las muito bem.
Ela me ensinou a ser eu mesmo.
- O que sucedeu com sua família?
- Convenci meu pai que me deixasse ir à escola. Quase todo dia
caminhava 15km. Até que um dia o professor me arranjou um lugar para
dormir e uma senhora me dava o que comer, quando eu passava em frente à sua casa. Entendi que essa ajuda vinha de minha mãe.
- E conseguiu.
- Sim! Foi assim que consegui uma bolsa de estudos na França.
- Um Tuareg na universidade!
- Ah, o que mais sinto falta aqui é o leite de camela... E o calor da
fogueira, e de andar com os pés descalços na areia quente. Lá nós olhamos as estrelas todas as noites e cada estrela é diferente das outras como cada cabra é diferente.Aqui, à noite, você olha para TV.
- Sim! E o que acha pior aqui?
- Vocês tem tudo, mas não acham suficiente. Vocês se queixam.
Na França passam a vida reclamando! Aprisionam-se pelo resto
da vida à uma dívida bancária, num desejo de possuir tudo rapidamente ... No deserto não há congestionamentos e você sabe por quê? Porque lá ninguém quer ultrapassar ninguém!
- Conte-me um momento de extrema felicidade no seu deserto distante.
- Todo dia, duas horas antes do pôr do sol: a temperatura abaixa,
mas ainda não chegou o frio, e os homens e os animais, lentamente voltam para o acampamento e seus perfis são recortados em um céu cor de rosa, azul, vermelho, amarelo, verde...
- Fascinante, na verdade...
- É um momento mágico ...
Entramos todos na cabana e colocamos o chá para ferver.
Sentamo-nos em silêncio, a ouvir a ebulição ...
A calma invade todos nós, e o nosso coração bate ao ritmo
Do barulho da fervura...
-Que paz!
- Aquí vocês tem relógio…
… lá temos tempo...

entrevista com um tuareg realizada por:
VÍCTOR-M. AMELA
a: MOUSSA AG ASSARID

terça-feira, 8 de junho de 2010

sem o gastar de uma vez

"Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor
que se despeja no copo da vida, até meio, como se
o pudéssemos beber de um trago. No fundo,
como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na
boca. Pergunto onde está a transparência do
vidro, a pureza do líquido inicial, a energia
de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta
são estes cacos que nos cortam as mãos, a mesa
da alma suja de restos, palavras espalhadas
num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira
hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,
esperando que o tempo encha o copo até cima,
para que o possa erguer à luz do teu corpo
e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

Nuno Júdice

mim

"TRADUZIR-SE

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

Ferreira Gullar
"Não ser amado é falta de sorte, mas não amar é a própria infelicidade.

Albert Camus


o sofrimento é opcional

Definitivo

Definitivo, como tudo o que é simples.
Nossa dor não advém das coisas vividas,
mas das coisas que foram sonhadas e não se cumpriram.

Sofremos por quê? Porque automaticamente esquecemos
o que foi desfrutado e passamos a sofrer pelas nossas projeções
irrealizadas, por todas as cidades que gostaríamos de ter conhecido ao lado
do nosso amor e não conhecemos, por todos os filhos que gostaríamos de ter
tido junto e não tivemos,por todos os shows e livros e silêncios que
gostaríamos de ter compartilhado,
e não compartilhamos.
Por todos os beijos cancelados, pela eternidade.

Sofremos não porque nosso trabalho é desgastante e paga pouco, mas por todas
as horas livres que deixamos de ter para ir ao cinema, para conversar com um
amigo, para nadar, para namorar.

Sofremos não porque nossa mãe é impaciente conosco, mas por todos os
momentos em que poderíamos estar confidenciando a ela nossas mais profundas
angústias se ela estivesse interessada em nos compreender.

Sofremos não porque nosso time perdeu, mas pela euforia sufocada.

Sofremos não porque envelhecemos, mas porque o futuro está sendo
confiscado de nós, impedindo assim que mil aventuras nos aconteçam,
todas aquelas com as quais sonhamos e nunca chegamos a experimentar.

Por que sofremos tanto por amor?
O certo seria a gente não sofrer, apenas agradecer por termos conhecido uma
pessoa tão bacana, que gerou em nós um sentimento intenso e que nos fez
companhia por um tempo razoável,um tempo feliz.

Como aliviar a dor do que não foi vivido? A resposta é simples como um
verso:

Se iludindo menos e vivendo mais!!!
A cada dia que vivo, mais me convenço de que o desperdício da vida
está no amor que não damos, nas forças que não usamos,
na prudência egoísta que nada arrisca, e que, esquivando-se do
sofrimento,perdemos também a felicidade.

A dor é inevitável.
O sofrimento é opcional...

Carlos Drumond de Andrade