terça-feira, 15 de junho de 2010

flores do mal

Teremos cometido algum pecado extremo?
Explica, se puderes, o medo que me acua
Eu tremo de alto a baixo se me dizes: Meu anjo!
E sinto minha boca ir em busca da tua.

Não me olhes mais assim, ó tu, meu pensamento!
Tu que eu adoro e que és enfim minha eleição
Mesmo que fosses um fantoche fraudulento
E a própria origem dessa estranha perdição!

(Mesmo que fosses um fantoche fraudulento
E a própria origem dessa estranha perdição!)

E quem diante do amor ousa falar do inferno?
Maldito para sempre o sonhador inútil
Que por primeiro quis, na sua estupidez
Enfrentando um problema insolúvel e fútil
Às delicias do amor juntar a honestidade!
O que deseja unir, num acordo místico
O dia com a noite, o frio com a flama
Jamais aquecerá seu trôpego esqueleto
Àquele rubro sol que amor também se chama!

Aqui somente a um mestre é licito servir-se!
Mas a miúda, no meio a uma enorme aflição
De súbito gritou: - "Sinto em meu ser abrir-se
Um abismo, e este abismo é enfim meu coração!
Ardente qual vulcão, mais fundo que a tormenta,
Nada este monstro aplacará dentro de mim
E nunca há de saciar Eumênide sedenta
Que o queimará, archote em punho, até o fim.
Que os véus de nossa alcova ocultem-nos do mundo,
E que o cansaço dê repouso a tais agruras!
Quero extinguir-me no teu vórtice profundo
E no teu seio achar a paz das sepulturas!

Descei, descei, ó tristes vítimas sublimes,
Descei por onde o fogo arde em clarões eternos!
Mergulhai neste abismo em que todos os crimes,
Tangidos por um vento oriundo dos infernos,
Jamais um raio há de clarear vossas cavernas;
Pelas fendas da pedra os miasmas delirantes
Infiltram-se a brilhar, assim como lanternas,
E os corpos vos penetram de odores nauseantes.
Cumpri vosso destino, almas desordenadas,
E fugi o infinito que trazei em vós!

Hipólita, minha querida, que me dizes então?
Compreendes quão pueril é oferecer agora
Em holocausto as tuas rosas em botão
A um sopro que as pudesse espedaçar lá fora?
Hipólita, minha irmã! Volve pois tua face,
Tu, coração, que és o meu todo e és a metade,
Volve teus olhos cheios de astros como os céus!
Dá-me esse olhar que é como um bálsamo bem-vindo;
Do prazer mais sombrio eu erguerei os véus
E hei de fazer-te adormecer num sonho infindo!

Baudelaire