sábado, 18 de janeiro de 2020

14 dias antes

"No dia 5 de Janeiro de 1982, Elis Regina era a convidada do programa Jogo da Verdade apresentado pelo jornalista Salomão Esper . O formato sugeria 3 entrevistadores e perguntas de outras personalidades . Um êxito em matéria de interatividade . Recurso usado até hoje .
Estão no programa Zuza Homem de Melo e Maurício Kubrusly conceituados jornalistas atentos a cena artística brasileira .
É sabido por todos que 14 dias depois Elis nos deixaria, portanto esta é sua última entrevista. Daí a importância em divulgar o registo. É documento histórico.
Elis mostra lucidez impecável e fala com absoluta propriedade sobre os assuntos apresentados.
Nossa cultura agradece por tamanha personalidade e riqueza de expressões deixadas."




A loucura está em todos os lugares ao mesmo tempo.




"Gravada em 1979, esta música de João Bosco (melodia) e Aldir Blanc (letra), retrata uma época marcante da história do Brasil e tornou-se um hino à amnistia no período final da ditadura militar iniciada no golpe militar de 1964. Ao fim da década de 1970 a ditadura brasileira sofria grandes reveses. A pressão pela abertura democrática vinha de todos os lados, mas o regime se mantinha duro e firme. As incertezas eram imensas e quem ousava levantar a voz contra o regime corria o risco de pagar, até com a própria vida, pelo acto. Assim, este texto é um discurso de denúncia e esperança: O “Bêbado” é a classe artística, representada pelo seu símbolo-maior, Carlitos, personagem de Charles Chaplin, com toda sua aura de liberdade e utopia. Chaplin foi um artista cujo trabalho visava as pessoas menos favorecidas, e no final dos seus filmes havia sempre uma estrada e uma esperança, onde Carlitos andava em direção ao infinito. A “Equilibrista” representa aquele fio de esperança que estava surgindo, a democracia. Aldir Blanc foi muito feliz em representar algo tão ténue e incerto quanto nossa abertura política, na figura de uma equilibrista. Desta forma ambos, a classe artística e a esperança de democracia, tinham que se equilibrar em suas “cordas-bambas” para poderem atingir seus objetivos. Aldir Blanc é considerado um poeta-repórter, pois seus textos geralmente são fatos de uma época, e o discorrer desta música são imagens deste período de incertezas. No verso “Caía a tarde feito um viaduto”… Ele quer dizer que a tarde caia abruptamente, tal qual parte do Viaduto Paulo Frontin, no Rio de Janeiro, que desabou em 1971. “E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos”… O “traje de luto” simboliza o estado no qual a classe artística encontrava-se na época, pela falta de liberdade de criação. Invariavelmente, todo fim de tarde sugere melancolia e tristeza, uma vez que estamos saindo da claridade do dia para a escuridão da noite. Aldir Blanc utilizou esta imagem para representar a situação na qual vivia o Brasil. Além de quê, sabe-se que as sessões de torturas eram realizadas nos porões do DOI-CODI durante a noite. Sem luz própria, “A lua” assume as funções de “dona de bordel”, pegando emprestado um pouco de brilho das estrelas, exatamente como faz a cafetina com suas contratadas, e também para fixar a imagem de que naquele início de noite, tal qual prostitutas, as estrelas eram de brilho falso e sem vontade de brilhar. Ainda com os olhos para o alto, há “as nuvens e o céu”. Estas imagens nos remetem ao universo da religiosidade. No final da década de 1970, quando o país discutia a amnistia geral e irrestrita, a igreja católica demorou a se posicionar e acabou defendendo a amnistia, mas com restrições. A imagem de “mata-borrão do céu” demonstra o poder político e balsâmico da igreja. Dentro do texto, o protesto contra as torturas que ocorriam na calada da noite fica evidente. Para saudar essa noite do Brasil, só se justificava se fosse na alegria etílica de um bêbado. Somente num estado de loucura poderia se reverenciar aquela realidade. O nacionalismo aparece nas entrelinhas com o Hino Nacional. “A nossa pátria, mãe gentil” abrigava as esposas e mães que choraram por seus filhos e maridos. A primeira entidade organizada para lutar pela amnistia foi o MFA – Movimento Feminino pela Amnistia, criado em 1975. O texto também fala dos exilados, como foi o caso do sociólogo Betinho, irmão de Henfil, e relembra as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho ao citar os nomes de suas esposas, Maria e Clarisse, respectivamente. Este texto traz a voz de alguém que num momento de consciência, acorda para um mundo totalmente adverso, observa o que está à sua volta, o céu da cidade, um bêbado, o cair da tarde. Tudo é estranho e triste. Mesmo assim há uma esperança que não abandona a sua missão. Por isso pode-se vislumbrar a liberdade e sonhar com ela, mesmo quando os olhos só vêem a opressão. Fica claro no texto que o desejo de liberdade sempre vai estar no coração do homem. Esta é a sua arte." (Comentário de Sérgio Soeiro — 22 de Outubro de 2009)