"No dia 5 de Janeiro de 1982, Elis Regina era a convidada do
programa Jogo da Verdade apresentado pelo jornalista Salomão Esper . O formato
sugeria 3 entrevistadores e perguntas de outras personalidades . Um êxito em
matéria de interatividade . Recurso usado até hoje .
Estão no programa Zuza Homem de Melo e Maurício Kubrusly
conceituados jornalistas atentos a cena artística brasileira .
É sabido por todos que 14 dias depois Elis nos deixaria, portanto esta é sua última entrevista. Daí a importância em divulgar o
registo. É documento histórico.
Elis mostra lucidez impecável e fala com absoluta
propriedade sobre os assuntos apresentados.
Nossa cultura agradece por tamanha personalidade e riqueza
de expressões deixadas."
A loucura está em todos os lugares ao mesmo tempo.
"Gravada em 1979, esta música de João Bosco (melodia) e
Aldir Blanc (letra), retrata uma época marcante da história do Brasil e
tornou-se um hino à amnistia no período final da ditadura militar iniciada no
golpe militar de 1964. Ao fim da década de 1970 a ditadura brasileira sofria
grandes reveses. A pressão pela abertura democrática vinha de todos os lados,
mas o regime se mantinha duro e firme. As incertezas eram imensas e quem ousava
levantar a voz contra o regime corria o risco de pagar, até com a própria vida,
pelo acto. Assim, este texto é um discurso de denúncia e esperança: O “Bêbado” é
a classe artística, representada pelo seu símbolo-maior, Carlitos, personagem
de Charles Chaplin, com toda sua aura de liberdade e utopia. Chaplin foi um
artista cujo trabalho visava as pessoas menos favorecidas, e no final dos seus
filmes havia sempre uma estrada e uma esperança, onde Carlitos andava em
direção ao infinito. A “Equilibrista” representa aquele fio de esperança que
estava surgindo, a democracia. Aldir Blanc foi muito feliz em representar algo
tão ténue e incerto quanto nossa abertura política, na figura de uma equilibrista.
Desta forma ambos, a classe artística e a esperança de democracia, tinham que
se equilibrar em suas “cordas-bambas” para poderem atingir seus objetivos.
Aldir Blanc é considerado um poeta-repórter, pois seus textos geralmente são
fatos de uma época, e o discorrer desta música são imagens deste período de
incertezas. No verso “Caía a tarde feito um viaduto”… Ele quer dizer que a
tarde caia abruptamente, tal qual parte do Viaduto Paulo Frontin, no Rio de
Janeiro, que desabou em 1971. “E um bêbado trajando luto me lembrou Carlitos”…
O “traje de luto” simboliza o estado no qual a classe artística encontrava-se
na época, pela falta de liberdade de criação. Invariavelmente, todo fim de
tarde sugere melancolia e tristeza, uma vez que estamos saindo da claridade do
dia para a escuridão da noite. Aldir Blanc utilizou esta imagem para
representar a situação na qual vivia o Brasil. Além de quê, sabe-se que as
sessões de torturas eram realizadas nos porões do DOI-CODI durante a noite. Sem
luz própria, “A lua” assume as funções de “dona de bordel”, pegando emprestado
um pouco de brilho das estrelas, exatamente como faz a cafetina com suas
contratadas, e também para fixar a imagem de que naquele início de noite, tal
qual prostitutas, as estrelas eram de brilho falso e sem vontade de brilhar.
Ainda com os olhos para o alto, há “as nuvens e o céu”. Estas imagens nos
remetem ao universo da religiosidade. No final da década de 1970, quando o país
discutia a amnistia geral e irrestrita, a igreja católica demorou a se posicionar
e acabou defendendo a amnistia, mas com restrições. A imagem de “mata-borrão do
céu” demonstra o poder político e balsâmico da igreja. Dentro do texto, o
protesto contra as torturas que ocorriam na calada da noite fica evidente. Para
saudar essa noite do Brasil, só se justificava se fosse na alegria etílica de
um bêbado. Somente num estado de loucura poderia se reverenciar aquela
realidade. O nacionalismo aparece nas entrelinhas com o Hino Nacional. “A nossa
pátria, mãe gentil” abrigava as esposas e mães que choraram por seus filhos e
maridos. A primeira entidade organizada para lutar pela amnistia foi o MFA –
Movimento Feminino pela Amnistia, criado em 1975. O texto também fala dos
exilados, como foi o caso do sociólogo Betinho, irmão de Henfil, e relembra as
mortes do jornalista Vladimir Herzog e do metalúrgico Manuel Fiel Filho ao
citar os nomes de suas esposas, Maria e Clarisse, respectivamente. Este texto
traz a voz de alguém que num momento de consciência, acorda para um mundo
totalmente adverso, observa o que está à sua volta, o céu da cidade, um bêbado,
o cair da tarde. Tudo é estranho e triste. Mesmo assim há uma esperança que não
abandona a sua missão. Por isso pode-se vislumbrar a liberdade e sonhar com
ela, mesmo quando os olhos só vêem a opressão. Fica claro no texto que o desejo
de liberdade sempre vai estar no coração do homem. Esta é a sua arte."
(Comentário de Sérgio Soeiro — 22 de Outubro de 2009)