quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2....2....2.....

(...) O homem aguarda até que por fim começa a clássica contagem decrescente. O fim do ano aproxima-se:
9,8,7,6,5,4,3,2
e, de súbito, algo pára, encrava, repete, enrola-se sobre si mesmo, morde a cauda, não sabe como avançar, está cego e pára, não tem pernas e por isso não avança, encrava, enrola-se, morde a cauda, repete-se, pára, encrava-se; como nas antigas cassetes, a sensação é de que a fita ficou presa no n.º 2.
(...)
Encravou no dois.
(...)
O 1 não veio, o zero não veio.
O homem ainda não viu o fim do ano e no entanto já passou muito tempo, tempo demais, tempo suficiente.
(...)
Através do vidro da janela o homem vê que lá fora o novo ano está em marcha e, por isso, quando roda a cabeça e com os olhos vasculha os vários compartimentos da sua casa, assusta-se.
(...)
Na contagem decrescente ele está no dois. Ou seja, está a dois segundos de uma grande alegria.
O que o angustia é pensar que pode ficar assim muito tempo, muitos anos mesmo.
Toda a sua vida até.

Gonçalo M. Tavares in Visão de 01-01-2009