domingo, 8 de dezembro de 2019

inexplicável e feliz desígnio


tenho o livro repousando na estante desde setembro de 2016.
hoje li o n.º 19.
curiosamente li a introdução (longa). é outro livro.
"(...) O poema haiku não inferioriza nem zomba, não se serve do intelecto, valoriza as coisas pequenas, valendo-se da surpresa e de um reduzido vocabulário[...], começa ainda antes da primeira letra da primeira estrofe e acaba muito depois da ultima sílaba da terceira estrofe. É poesia despersonalizada, já quase fora da linguagem comum, nasce no silêncio, atravessa, como um relâmpago, o olhar do contemplador e regressa ao silêncio; e enquanto existiu pareceu durar o tempo de um movimento respiratório. Resultante em grande parte da contemplação da beleza e comportamentos da natureza, este estilo poético assume-se como fenómeno que transcende o pessoal, é puro presente, é um momento suspenso, eterno em si mas que não volta a acontecer. Nele, desaparece a separação observador/observado, para dar lugar à ausência de ego, à manifestação do sublime. No final da breve leitura do poema, o leitor arrisca-se a ser percorrido por um calafrio que não poupará nenhuma célula do seu corpo; talvez o seu olhar se semicerre e se suspenda no seio de um horizonte para além do horizonte visível; talvez assome ao canto dos seus lábios o movimento de um sorriso somente perceptível pelo olhar puro das crianças e dos animais.
O haiku, paradigma supremo do conceito de que o que é pequeno é o que está mais perto da beleza , revela-se como um perfeito veículo poético através do qual são postos em movimento inesperados paradoxos e ambivalências que se vão despojando de quase toda a roupagem. Este jogo dará ao leitor a oportunidade única de despertar mecanismos mentais adormecidos, não racionais, capazes de revelar, através de associações atípicas, o que ainda continua oculto na mensagem, nem que para isso ele tenha de virar do avesso os seus mais sólidos padrões mentais. E, sem deixar de se levar uma existência quotidiana normalíssima, pode acontecer que, chegado a esse ponto e por um qualquer golpe mágico do misterioso agora, o atento leitor seja conduzido a vislumbrar o que está por detrás dos fenómenos da vida, que pode muito bem ser algo que tenha a ver com a transcendência do efémero ou com o eterno inverbalizável ou... com o que quer que seja.
[...] E como a caminhada vai ser longa, pois cada terceto é, em si, enigmático e eterno, não vai ser preciso desejar «boa viagem» a quem, num inexplicável e feliz desígnio do momento, escolheu para companheiro de andanças um homem chamado Bashô, que, com um sorriso suavemente brincalhão, lhe há-de falar, com breves palavras (mas de braço dado com o silêncio), do intemporal que há no temporal e de viagens várias não necessariamente geográficas." 
como as leituras são como as cerejas cheguei às obras do tradutor que não esperam pela demora...
do Japão guardo grandes memórias deste filme:



e a música, sempre a música...