"A forma mais contraditória que pode aparecer na vida humana é a do "menino satisfeito". Por isso, quando se torna figura predominante, é preciso dar o grito de alarme e anunciar que a vida se encontra ameaçada de degeneração; quer dizer, de morte relativa.
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Isto, penso, faz ver com suficiente clareza a anormalidade superlativa que o "menino satisfeito" representa. Porque é um homem que veio à vida para fazer o que lhe dê na gana. Com efeito: é esta a ilusão que o "menino bem" tem. Já sabemos porquê: no âmbito familiar, tudo, até os maiores delitos, podem ficar, em ultima instância, impune. O ambiente familiar é relativamente artificial e tolera no seu seio muitos atos que na sociedade, no ar da rua, trariam automaticamente consequências desastrosas e ineludíveis para o seu autor. Mas o "menino" é aquele que julga poder comportar-se fora de casa como em casa, aquele que julga que nada é fatal, irremediável e irrevogável. Por isso crê que pode fazer o que lhe apetece.*
*O que a casa é face à sociedade, é-o em maior escala a nação face ao conjunto das nações. Uma das manifestações simultaneamente mais claras e volumosas do "meninismo" vigente é, como veremos, a decisão que algumas nações tomaram de "fazer o que lhes apetece" na convivência internacional. A isto chamam ingenuamente "nacionalismos". E eu, que detesto a submissão beata à internacionalidade, por outro lado acho grotesco esse "meninismo" transitório das nações menos maduras."
Ortega y Gasset in A Rebelião das Massas (1930)