terça-feira, 7 de abril de 2020

Dia 23* - ostra feliz não faz pérola

Passiflora, estranha e bela como a do maracujá
A minha flor é Florbela e espanca o teu patoá
Não me espanta se essa gera não me alcança e digo já
P'ra essa fauna, como Flora eu vou só "deixá brilhá"
Vou sem culpa, sou adulta, e muito culta para agradar
Estou na luta e na disputa não me custa dominar!
Fosse fácil, eram muitas, se fosse doce eram mais
Não me moldo nem ao soldo, nem à bênção dos demais
Eles preferem os discos que ainda não saíram
Eles preferem promessas daqueles que desistiram
Eles preferem os mitos dos que podiam ter sido
Dos que podiam ter feito, do que queriam ter ouvido
Preferem os mortos, eles fartam-se dos vivos
Eles fartam-se dos discos, eles preferem os vídeos
Eles querem-nos mansos, criados, mal sucedidos
Senão somos vendidos, somos pouco alternativos
E se sai um disco novo perguntam quando é o próximo
E em seguida disso “porquê o pseudónimo?”
E é óbvio, pérolas a porcos
Com as feras a postos, só para te mastigar

Com síndroma de porteiro de discoteca!
Não sou cool p'ra esses cínicos
Nem nova p'ra esses críticos
Que procuram girinos de novas cenas indígenas
Farta de sabidos pseudo profetas
“Júlio Isidros” dessas raras descobertas
Não sou teen p'ra esses putos
Nem ligo puto a esses grupos
Os que ditam o futuro do mundo
Estou nos antípodas
Dizem-se lendas quando as lendas somos nós
E não sabem que na história, nem vê-los, estaremos sós!
E depois os puritanos, que desdenham do sucesso
E depois de tantos anos se defendem no começo
E que eu conheço do meu tempo
E a quem digo que o que eu faço
É o mesmo de sempre, é hip hop clássico!
E não disfarço que o levo a novo público
Que eu abraço e acolho com orgulho
E que o hip hop que eu quero para o futuro
Não será conservador, nem machista, nem burro!
Por isso estranhem-me, porque eu entranho-me
Fora da caixa, Passiflora, mantenho-me!
Por isso apanhem-me, se conseguirem
Eu fujo à regra porque a regra restringe-me!
E se me afasto não será presunção
A distância entre nós é só a comparação

Não fiz hits de verão e não é por não saber como
Não sou cena do momento
E ao tempo que eu estou no topo
Não confundam o bom gosto com falta de público
E aproveitem este disco porque pode ser o último!
Na net a novidade é um triz, diz:
Se andas anos nisto é do risco que vives?
Selfies dão mais likes que um disco, diz-me:
Porque é que fazes isto, porque é tu que insistes?
Se é trap não é rap, se é hit leva hate
Boom bap é retrocesso, se é sucesso já é fake
Se tem putos bota fora, se não tem views é um flop
Se é adulto já é cota, transversal não é hip hop
“É conhecido? Já não curto, curtia mais o primeiro.”
“É repetido ou muda muito, não vale a pena o dinheiro”
Se fosses mais bonita, mais sexy, na moda
Ou um homem, mais jovem, mais dentro da norma
Terias mais alcance, mais chance, na indústria
Se fosses mais dócil, mais fácil na música?
Terias mais views, mais likes, mais público
Se fosses mais hipster, se fosses mais estúpida?
Terias mais fãs, mais buzz, mais glória?
Para quê o hype se eu prefiro fazer história?
Passiflora, a minha beleza é estranha
Meu fado chora mas move montanhas

Eu ofereço a minha voz
Flor que se dá
Estranha e bela
Como a do maracujá
Eu ofereço a minha voz
Flor que se dá
Estranha e bela

Como a do maracujá