quarta-feira, 14 de abril de 2021

Palomar na sociedade

Acerca do morder a língua

Numa época e num país no qual todos se pelam por proclamar opiniões ou juízos, o senhor Palomar ganhou o hábito de morder a língua três vezes antes de fazer qualquer afirmação. Se, à terceira dentada na língua, ainda está convencido daquilo que estava para dizer, di-lo; se não, fica calado. Com efeito, passa semanas e meses inteiros em silêncio.

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Mais controverso é o juízo que faz sobre o não ter manifestado o seu pensamento. Em tempo de silêncio geral, o conformar-se com o calar da maioria é certamente uma culpa.

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De facto, o silêncio também pode ser considerado um discurso, enquanto recusa do uso que outros fazem da palavra; mas o sentido desse silêncio-discurso está nas suas interrupções, ou seja, naquilo que de vez em quando se diz e que dá sentido àquilo que se cala.

Ou antes: um silêncio pode servir para excluir certas palavras ou então para as manter de reserva, para que possam ser usadas em melhor ocasião.

Italo Calvino in Palomar, 1985