"Deixou-me com o Amo-te escrito em letra normal no ecrã do telemóvel, sem corações, trevos da sorte, ursinhos com os olhos em formato do coração. Amo-te. Escorraçando os simulacros do amor, deixando que a palavra se impusesse poderosa, uma fisga que me arrancava do desconfortável presente para me arremessar esperançosa num futuro feliz. Quantas vezes me tinham dito, Amo-te? Poucas, dolorosamente poucas. Os rapazes com quem andei antes do Jorge não tinham idade nem sentimento para tal, o Jorge resguardava-se no protegido Luv u, e os outros Jorges do Tinder não serviam para essas coisas. Mas o Duarte dissera Amo-te, a palavra das fotonovelas da mamã, das sopeiras e dos marujos, a palavra que raramente se dizia por ainda ser cedo para se dizer ou já ser tarde, a palavra que soava mal por o amor não ser português ao contrário da saudade, o Duarte escrevera Amo-te e a palavra segurara-nos os corpos com um tracinho, Amo-te, nada havia mais poderoso do que a doce prisão do amor que ao nos atar a outro, outro nos faz, mesmo que seja a fingir. Não sabendo o que responder, e lembrada da escusada sinceridade do Jorge, escrevi, Eu também. O Duarte respondeu-me prontamente, O teu amor está desfasado do meu vinte e seis minutos, não tem mal, acabaremos por acertar-nos."
Dulce Maria Cardoso in Eliete - a vida normal