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sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

as pessoas sozinhas vão achar isto muito irritante...

...mas eu não

"Muito depende de sermos capazes de estar no momento em que estamos, sem pensar no que fizemos para ali estar ou nos preocuparmos para onde vamos a seguir. Se pudéssemos ser inteiramente inteligentes, não pensaríamos senão no momento em que estivéssemos, sem expectativas. Para estarmos à espera, sem saber de quê.
Anteontem, durante um segundo de um almoço de Agosto, pousou num copo uma borboleta espampanante. E logo voou, deixando-nos a falar dela.
O momento e o tempo estão ligados como o nosso coração e a nossa alma. Tenho a certeza que todos os dias somos visitados por lembranças do muito que nos pode acontecer, do pouco que sabemos e do pouco tempo que temos para ficar com uma pequena ideia do que tudo isto é.
Estas visitas espantosas, em que só se repara por sorte, só são bem recebidas e apreciadas quando a nossa atenção se desliga de nós próprios e do mundo que gira dentro de nós e se vira, como se de uma casa vazia se tratasse, para fora. Há um estado activo de recepção, de estarmos prontos para o que vier, sem termos nada marcado ou expectativa nenhuma.
Não se consegue ver a borboleta se estivermos à espera dela e resolvermos: "Agora vou estar aqui sentado, com a cabeça esvaziada, inteiramente distraído pelo que me rodeia, à espera que me apareça pela frente uma coisa maravilhosa".
É quando se está com quem se ama que se é mais visitado. Se calhar, o que atrai as visitas é a doçura da companhia e a distracção em que o amor vive. Ali."


sábado, 1 de fevereiro de 2020

na brisa de um dia inútil



Na grande claridade do dia o sossego dos sons é de ouro também. Há suavidade no que acontece. [...]. Num dia assim nada pode haver que pese sobre não haver senão suavidade.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Íssimo, íssimo. íssimo


O que há em mim é sobretudo cansaço

Não disto nem daquilo,

Nem sequer de tudo ou de nada:

Cansaço assim mesmo, ele mesmo,

Cansaço.


A subtileza das sensações inúteis,

As paixões violentas por coisa nenhuma,

Os amores intensos por o suposto alguém.

Essas coisas todas.


Essas e o que faz falta nelas eternamente;

Tudo isso faz um cansaço,

Este cansaço,

Cansaço.


Há sem dúvida quem ame o infinito,

Há sem dúvida quem deseje o impossível,

Há sem dúvida quem não queira nada -

Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:

Porque eu amo infinitamente o finito,

Porque eu desejo impossívelmente o possível,

Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,

Ou até se não puder ser...


E o resultado?

Para eles a vida vivida ou sonhada,

Para eles o sonho sonhado ou vivido,

Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...

Para mim só um grande, um profundo,

E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,

Um supremíssimo cansaço.

Íssimo, íssimo. íssimo, Cansaço...


Álvaro de Campos

segunda-feira, 21 de abril de 2008

please don't go

Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.


(...)

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.

(...)

domingo, 24 de fevereiro de 2008

sopra demais o vento......

Sopra de mais o vento
Para eu poder descansar...
Há no meu pensamento
Qualquer coisa que vai parar...
Talvez esta coisa da alma
Que acha real a vida...
Talvez esta coisa calma
Que me faz a alma vivida...
Sopra um vento excessivo...
Tenho medo de pensar...
O meu mistério eu avivo
Se me perco a meditar.
Vento que passa e esquece,
Poeira que se ergue e cai...
Ai de mim se eu pudesse
Saber o que em mim vai!...

Fernando Pessoa, in Cancioneiro